Porque criar não é apenas juntar um cão e uma cadela e ficar a espera que os trocos caiam do céu, sem querer saber onde vão para os cachorros.
Por isso aqui vai:
Há algum tempo fui contactada por uma pessoa que me fez
inúmeras perguntas sobre os meus cachorros e o maneio dos meus cães. Eu sou a
primeira a encorajar potenciais donos dos meus cachorros a fazerem todo o tipo
de questões que lhes ocorra, mas algo me soou estranho. Quando lhe perguntei
sobre a razão para determinado tipo de questões respondeu-me que estava a fazer
essas perguntas para aprender porque gostaria de ser criadora. Isto deixou-me a
pensar sobre o assunto…
O que é ser um criador? Será que se quer “ser criador”, como
se quer ser professor, médico, etc.
O que é um criador?
No seu regulamento do Livro de Origens Português e do
Registo Inicial, o Clube Português de Canicultura define “criador”simplesmente
como “o proprietário da cadela na ocasião do parto”. Isto é, naturalmente uma
definição ampla e objectiva, mais do que suficiente no seu papel de emissor de
registos. Porem, nado nos diz sobre o intuito dos criadores, que é no fundo a
primeira diferenciação entre eles.
Tipos de Criadores
Por um lado, temos que crie com um intuito declaradamente
comercial, com o objectivo de obter o seu rendimento através da produção de
cachorros para venda.
Pragmaticamente, não há nada de fundamentalmente errado com
isto, desde que os animais sejam mantidos em condições adequadas. No entanto,
muitas vezes, para maximizar o rendimento fazem-se “atalhos” pelo caminho,
nomeadamente no maneio higieno-sanitario, na qualidade da alimentação, na
realização de despistes de saúde, na verificação previa da aptidão morfológica,
comportamental e/ou funcional, na frequência da reprodução, na idade em que os
cachorros são vendidos, etc. Mais do que “criadores”, talvez fosse mais
correcto chama-los “produtores”.
Depois a quem crie porque tem uma cadela (ou cão) e, por
qualquer razão ou desculpa, em qualquer fase da sua vida ou regularmente,
decide fazer uma ninhada, sem que tenha uma razão definida para o fazer ou um
objectivo a alcançar.
Finalmente, há os verdadeiros Criadores, aqueles dignos
dessa designação. São frequentemente pessoas que nem sequer planearam vir a
sê-lo. São pessoas que se apaixonaram por uma raça, que adquiriram alguns
exemplares antes de mais para seu prazer, que se empenham estudar a fundo tudo
o que puderem sobre ela - comportamento, funcionalidade, problemas de saúde
e/ou genéticos, linhas de criação, etc. -, frequentemente que foram “mordidos
pelo bichinho” da canicultura enquanto hobby (provas de beleza e/ou praticas).
São pessoas para quem criar vem como uma extensão natural desta paixão e do
conhecimento sobre a raça que foram adquirindo ao longo dos anos, na tentativa
de melhorar e de obter exemplares cada vez melhores. Quando criam, fazem-no
como um acto ponderado, e com o intuito de obterem um ou mais exemplares para
si; a venda dos cachorros é especialmente um “subproduto”desta demanda.
Investem muito nos seus exemplares e nas ninhadas, e raramente (se é que
algumas vez!) obtêm, no cômputo geral, lucro através da criação.
As cadelas (e cães) devem criar pelo menos uma vez na vida?
Ainda é muito persistente o mito que os cães (e cadelas)
devem criar pelo menos uma vez na vida para não ficarem
infelizes/frustrados/loucos!
Esta ideia será talvez devido ao facto de, à medida que os
cães vão crescendo e alcançando a maturidade ser comum vê-los tentar montar
cadeiras, sofás, e mesmos as pernas das pessoas, sejam ou não os seus donos.
Isto não significa, como muitos pensam que o cão precisar de acasalar ou que
esta a querer dominar o dono. Significa simplesmente que os vários comportamentos
relacionados com a sexualidade se estão a começar a integrar e coordenar numa
cadeia coerente e funcional.
Quanto as cadelas , basta pensar que, nos canídeos sociais
em estado selvagem, em alcateias estáveis, a maioria das fêmeas defere a
reprodução em favor da fêmea dominante, para constatar como a ausência de
gravidez não as afecta. Adicionalmente qualquer gravidez em qualquer espécie, é
sempre um stress e risco adicional que pode efectivamente comprometer a sua
qualidade e esperança de vida. Adicionalmente, tanto quanto se sabe, os cães
não são capazes de momento de retrospectiva, não são capazes de olhar para o
seu passado ou futuro mais ou menos distante e pensar “Oh, como gostaria de ser
mãe/pai”.
O “milagre” da vida
Um dos argumentos mais frequentemente ouvido por quem cria
com a sua cadela sem um objectivo definido é o de que é importante para os seus
filhos assistirem ao “milagre” do nascimento e da vida.
Bom, espero que estejam também preparados para ensinarem aos
seus filhos o “milagre “ da corrida de emergência para o veterinário se algo
correr mal durante o parto. E para lhes ensinarem o “milagre” da morte porque
mesmo que não se passe nada de errado durante o parto e a cadela não morra (é
sempre um risco a ponderar!), é comum que um ou mais cachorros morram nos
primeiros após o parto, por razões várias.
O que fazer aos cachorros?
Se esta a criar porque quer um cachorro da sua cadela/cão,
com que fazer aos restantes cachorros? Porque dificilmente ira nascer só um…
Criando porque “é importante que as crianças saibam como
ocorre um nascimento”, o que fazer depois aos cachorros?
Quantos de nós não recebemos já, por e-mail ou nas redes
sociais, mensagens reencaminhadas de amigos bem intencionados dizendo que “X
cachorrinhos da raça Y precisam de encontrar dono na próxima semana se não será
abatidos”?
Se não tem destino previamente preparado para os seus
cachorros, porquê criar? Esta preparado para explicar aos seus filhos porque
lhes mostrou o "milagre” do nascimento e depois largou os cachorros num sitio
qualquer ou os mandou abater porquê ninguém quis ficar com eles e não tem
espaço, condições e/ou dinheiro para ficar com mais cães?
Cada vez mais, até os criadores bem estabelecidos,
frequentemente com reservas previas, estão a ter dificuldades em entregar os
seus cachorros; muitas pessoas revelam interesse mas depois não o concretizam,
outas cancelam as suas reservas devido a mudanças (in)esperadas nas suas vidas.
A dificuldade em encontrar bons donos para quem não é conhecido é ainda maior. Bem,
pelo menos para quem se preocupa em que os seus cachorros vão para casa que não
os abandonem a primeira”contrariedade” (leia-se, Desculpa!).
A saúde é importante
Sabe-se que os cães, consoante a sua raça e/ou o seu porte, são mais ou menos propensos a determinadas patologias. Mesmo que os progenitores não as manifestem neles próprios, podem ser portadores do genes para algumas delas, e produzir descendência afectada se acasalarem com outros portadores; podem ainda estar afectados as não a(s) manifestar(em) por serem ainda novos ( algumas doenças apenas se manifestam nas fases mais tardias da vida).
Uma pessoa que apenas quer criar por criar tipicamente não se irá preocupar com o facto de poder vir a criar cães doentes (afinal, todos esperamos apenas o melhor, nunca pensamos no que pode correr mal, não é?); aliás, algumas pessoas fazem-no mesmo sabendo que o seu animal tem algum problema, apenas porque é o seu preferido e querem um filho dele.
Porém, um criador sério irá naturalmente tentar evitar criar cachorros potencialmente doentes. Como? fazendo exames prévios ao seus potenciais reprodutores, quer testes genéticos ( se os genes para a doença em causa já estiverem identificados) quer testes de despiste (tentando averiguar se o exemplar apresenta sintomas clínicos da doença, mesmo que não seja ainda possível aperceber-se dela).
Não pense que, tendo um cão sem raça, ou cruzando cães de diferentes raças, não precisa de se preocupar com isso. Afinal,os genes são os mesmos em toda a espécie; a frequência de ocorrência dos seus alelos é que pode variar. Por exemplo, cães de grande porte estão mais propensos à displasia da anca, sendo de raça ou não. Cruzar cães de duas raças não é uma boa razão para não testar os seus animais; se ambas tiverem propensão à(s) mesma (s) doença(s), os cachorros não vão miraculosamente deixar de poder ser afectados só por não serem de raça pura!
Criar exige esforço e dedicação!
Mesmo quando tudo corre bem, criar não é simplesmente cruzar um cão com uma cadela, deixar os cachorros nascer, crescer e entrega-los a outras pessoas. É uma actividade que exige tempo e dedicação, para que os cachorros tenham tido o melhor inicio de vida possível.
É necessário vigiar o parto para tentar garantir que não há complicações e que a mãe cuida adequadamente dos cachorros. É necessário vigiar ao longo das semanas seguintes, se os cachorros mamam o suficiente, se estão a crescer bem, e suplementar se necessário.
É necessário estimular os cachorros, física e mentalmente, habitua-los a várias situações, sons, cheiros, animais e pessoas, de forma a que cresçam felizes e emocionalmente estáveis.
É necessário fazer a triagem das pessoas interessadas nos cachorros, de forma a tentar assegurar que o futuro dono está apto para lidar com o que se pode esperar do carácter da raça e tentar conjugar os feitios individuais dos donos e dos cachorros.
A criação de cães não se compadece dos afazeres do dono da cadela. Se a mãe, por qualquer razão (doença, morte,leite insubsistente rejeição), não pode cuidar dos cachorros é ao criador que recai a responsabilidade de lhes dar de mamar de 2 em 2 horas, de dia e de noite.
Está doente, com uma depressão ou com uma crise familiar? Azar os cachorros precisam de comer! Tem um trabalho das 9h as 18h e não tem ninguém em casa? Azar os cachorros precisam de comer!
Se se responsabilizou por pôr uma ninhada de cachorros no mundo, tem também de se responsabilizar por a criar adequadamente, mesmo quando a mãe deles não pode ou consegue fazer.
Decisões e dilemas fazem parte do dia
E o que fazer com aquele cachorro mais fraco que em condições normais iria morrer? Tentar salvá-lo a todo o custo, mesmo sabendo que a prazo isso pode comprometer a viabilidade e robustez da raça ( por mais tarde se vir a criar com cães que não "deveriam" ter sobrevivido)? Ou deixa-lo morrer, pois isso é o que aconteceria numa situação normal ( mas numa situação normal a cadela provavelmente nem se teria reproduzido)?
Não existe uma resposta correcta, única ou fácil mas este tipo é o tipo de decisões e dilemas morais com que um criador se depara a cada ninhada.
Ainda quer criar?
Criar cães e vê-los crescer é sem duvida uma experiência inolvidável! Exige muito tempo e dedicação, e quando tudo corre bem, os benefícios (para o criador e futuros donos) suplantam as preocupações. Mas há que estar preparado para as complicações, algo que a maioria das pessoas não gosta de pensar e para as quais uma pessoa inexperiente ( e por vezes experiente) não esta normalmente preparada.
Pense bem se quer criar com o seu cão/cadela, analise bem as razões porque o quer fazer e pondere o que fazer aos cachorros (sim, isto também é uma responsabilidade do dono do macho, não apenas do da cadela!). Na maioria das vezes, é preferível financeira e emocionalmente castrar os seu animal (para evitar reprodução não desejada e os transtornos que isso origina) e deixar a criação para os criadores sérios e apaixonados, dispostos a sacrifícios para que cada cachorro que nasce seja o melhor possível e tenha uma vida feliz desde o inicio.
Texto de Carla Cruz, no artigo Então... quer ser criador?(edição de Junho/2012)
Fonte: Revista Cães & Companhia
Texto em original em: aradik-dogs.blogspot.pt
Sabe-se que os cães, consoante a sua raça e/ou o seu porte, são mais ou menos propensos a determinadas patologias. Mesmo que os progenitores não as manifestem neles próprios, podem ser portadores do genes para algumas delas, e produzir descendência afectada se acasalarem com outros portadores; podem ainda estar afectados as não a(s) manifestar(em) por serem ainda novos ( algumas doenças apenas se manifestam nas fases mais tardias da vida).
Uma pessoa que apenas quer criar por criar tipicamente não se irá preocupar com o facto de poder vir a criar cães doentes (afinal, todos esperamos apenas o melhor, nunca pensamos no que pode correr mal, não é?); aliás, algumas pessoas fazem-no mesmo sabendo que o seu animal tem algum problema, apenas porque é o seu preferido e querem um filho dele.
Porém, um criador sério irá naturalmente tentar evitar criar cachorros potencialmente doentes. Como? fazendo exames prévios ao seus potenciais reprodutores, quer testes genéticos ( se os genes para a doença em causa já estiverem identificados) quer testes de despiste (tentando averiguar se o exemplar apresenta sintomas clínicos da doença, mesmo que não seja ainda possível aperceber-se dela).
Não pense que, tendo um cão sem raça, ou cruzando cães de diferentes raças, não precisa de se preocupar com isso. Afinal,os genes são os mesmos em toda a espécie; a frequência de ocorrência dos seus alelos é que pode variar. Por exemplo, cães de grande porte estão mais propensos à displasia da anca, sendo de raça ou não. Cruzar cães de duas raças não é uma boa razão para não testar os seus animais; se ambas tiverem propensão à(s) mesma (s) doença(s), os cachorros não vão miraculosamente deixar de poder ser afectados só por não serem de raça pura!
Criar exige esforço e dedicação!
Mesmo quando tudo corre bem, criar não é simplesmente cruzar um cão com uma cadela, deixar os cachorros nascer, crescer e entrega-los a outras pessoas. É uma actividade que exige tempo e dedicação, para que os cachorros tenham tido o melhor inicio de vida possível.
É necessário vigiar o parto para tentar garantir que não há complicações e que a mãe cuida adequadamente dos cachorros. É necessário vigiar ao longo das semanas seguintes, se os cachorros mamam o suficiente, se estão a crescer bem, e suplementar se necessário.
É necessário estimular os cachorros, física e mentalmente, habitua-los a várias situações, sons, cheiros, animais e pessoas, de forma a que cresçam felizes e emocionalmente estáveis.
É necessário fazer a triagem das pessoas interessadas nos cachorros, de forma a tentar assegurar que o futuro dono está apto para lidar com o que se pode esperar do carácter da raça e tentar conjugar os feitios individuais dos donos e dos cachorros.
A criação de cães não se compadece dos afazeres do dono da cadela. Se a mãe, por qualquer razão (doença, morte,leite insubsistente rejeição), não pode cuidar dos cachorros é ao criador que recai a responsabilidade de lhes dar de mamar de 2 em 2 horas, de dia e de noite.
Está doente, com uma depressão ou com uma crise familiar? Azar os cachorros precisam de comer! Tem um trabalho das 9h as 18h e não tem ninguém em casa? Azar os cachorros precisam de comer!
Se se responsabilizou por pôr uma ninhada de cachorros no mundo, tem também de se responsabilizar por a criar adequadamente, mesmo quando a mãe deles não pode ou consegue fazer.
Decisões e dilemas fazem parte do dia
E o que fazer com aquele cachorro mais fraco que em condições normais iria morrer? Tentar salvá-lo a todo o custo, mesmo sabendo que a prazo isso pode comprometer a viabilidade e robustez da raça ( por mais tarde se vir a criar com cães que não "deveriam" ter sobrevivido)? Ou deixa-lo morrer, pois isso é o que aconteceria numa situação normal ( mas numa situação normal a cadela provavelmente nem se teria reproduzido)?
Não existe uma resposta correcta, única ou fácil mas este tipo é o tipo de decisões e dilemas morais com que um criador se depara a cada ninhada.
Ainda quer criar?
Criar cães e vê-los crescer é sem duvida uma experiência inolvidável! Exige muito tempo e dedicação, e quando tudo corre bem, os benefícios (para o criador e futuros donos) suplantam as preocupações. Mas há que estar preparado para as complicações, algo que a maioria das pessoas não gosta de pensar e para as quais uma pessoa inexperiente ( e por vezes experiente) não esta normalmente preparada.
Pense bem se quer criar com o seu cão/cadela, analise bem as razões porque o quer fazer e pondere o que fazer aos cachorros (sim, isto também é uma responsabilidade do dono do macho, não apenas do da cadela!). Na maioria das vezes, é preferível financeira e emocionalmente castrar os seu animal (para evitar reprodução não desejada e os transtornos que isso origina) e deixar a criação para os criadores sérios e apaixonados, dispostos a sacrifícios para que cada cachorro que nasce seja o melhor possível e tenha uma vida feliz desde o inicio.
Texto de Carla Cruz, no artigo Então... quer ser criador?(edição de Junho/2012)
Fonte: Revista Cães & Companhia
Texto em original em: aradik-dogs.blogspot.pt
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